domingo, 16 de agosto de 2009

O fim dos fatos papa-recordes

Primeiro é preciso colocar um saco de plástico nos pés para ajudar o fato a deslizar pelo corpo. Há quem calce luvas para evitar as bolhas causadas pela fricção. Quando o fato chega ao joelho esquerdo, já se perderam cinco minutos. Quando atinge o direito, já lá vão dez. Mas é quando chega às ancas, e o cronómetro assinala já um quarto de hora, que a operação se torna mais complicada, sobretudo para as nadadoras: áreas mais largas são mais difíceis de ultrapassar.

Fazer o fato chegar à cintura pode demorar mais cinco minutos. Da cintura para cima, a tarefa fica mais fácil, excepto quando é necessário fechar o fato. Nessa altura, são precisas mais duas pessoas: uma para juntar o tecido, a outra para puxar o fecho. Quando o nadador está pronto para a acção, já perdeu meia hora, isto se tiver "muita prática", admite o nadador português Diogo Carvalho. "Da primeira vez, quase ninguém consegue vesti-los por completo".

A nadadora italiana Flavia Zoccari
A nadadora italiana Flavia Zoccari

O sacrifício vale a pena: este ano, no Mundial de Natação, realizado em Roma, a última geração de fatos em poliuretano - um material impermeável que favorece o deslizamento na água - ajudou a bater 33 dos 38 novos recordes mundiais individuais - os outros cinco são em provas por estafetas e nem todos os nadadores usam os fatos de última geração.

Nunca se bateram tantos recordes e só nove dos máximos mundiais resistiram. "É inegável que os fatos desempenharam um importante papel, mas não se deve tirar o mérito dos nadadores", afirma Carvalho, que nadou com o Jaked 01. O fato da marca italiana foi uma das estrelas da competição, a par do X-Glide, da Arena, destronando o LZR Racer, da Speedo, produzido em Portugal e utilizado por Michael Phelps.

A avalancha de recordes veio reavivar o debate em torno da utilização dos fatos, que alguns classificam de "doping tecnológico". Ninguém desmente que as marcas obtidas se devem mais às alterações tecnológicas do que à evolução dos atletas.

Embaraçada, a Federação Internacional de Natação (FINA), que havia autorizado os fatos, já veio a público emendar a mão: a partir de 2010, acabaram-se os fatos de corpo inteiro. Os novos não poderão baixar do joelho nem estar acima do nível do umbigo, nos homens, e terão que situar-se entre os ombros e os joelhos nas mulheres. Além disso, terão de ser feitos em fibras "têxteis", uma expressão que terá ainda que ser definida por um comité de peritos.

Curiosamente, o anúncio da FINA surgiu pouco depois de treinador de Michael Phelps que, por contrato, está obrigado a usar os agora ultrapassados LZR, da Speedo, ter ameaçado retirar o seu atleta das competições se os fatos não fossem banidos.

As declarações foram proferidas logo após a derrota de Phelps face ao alemão Paul Biedermann na final dos 200 metros livres. O próprio alemão reconheceu que "estes fatos fazem a diferença. Espero que um dia possa vencer o Michael sem eles".

A decisão representa um enorme rombo nas expectativas das principais marcas que gastaram milhões de euros no desenvolvimento dos fatos e não poderão ter o retorno comercial esperado. Em sentido inverso, as novas regras deverão significar uma enorme poupança para os cofres da FINA, que na semana em que decorreu o Campeonato do Mundo teve de desembolsar €740 mil, €17.300 por cada um dos 43 recordes batidos.


Fragilidades

O modelo naked

Por serem tão finos e justos ao corpo, os novos fatos não só são muito desconfortáveis a vestir como vulneráveis a rasgões. Que o diga a nadadora italiana Flavia Zoccari, exposta ao embaraço durante os Jogos do Mediterrâneo, disputados em Julho: instantes antes da prova, o seu Jaked 01, estrela dos últimos campeonatos do mundo de natação, abriu-se atrás, deixando-lhe as nádegas a nu e obrigando-a a abandonar a prova em lágrimas. Por causa deste episódio houve até quem brincasse com o nome do fato, sugerindo rebaptizá-lo Naked (nu).


VEJA O FATO PAPA-RECORDES AO PORMENOR (clique na imagem para ver o documento em formato PDF)

- Reportagem On-Line Expresso: "O fim dos fatos papa-recordes"

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